segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Achados de gaveta...

As ruas da cidade se abriam, enfim. Todos os demais seres se esconderam em próprios sonos profundos. Estávamos imunes dos outros, quem quer que fossem, se escondiam.
Acordei num conversível antigo, do tipo elegante e clássico, nada possível de denominação, vide a minha falta de conhecimento sobre. Miguel, ao meu lado, dirigia, relaxado, respeitando os sinais de um trânsito nulo. Me lembro daquela conversa futurística, em um passado distante, onze anos tínhamos à época, imaginávamos que ''meu Deus, que perigo quando você dirigir...''. Era então uma ideia tão distante. Não dirigir, propriamente, mas todos os anos que nos levariam juntos até esse instante. 
Sorri ao apreender o momento. Era tarde da noite. Fazia lua no céu, e ele fazia sol, ao meu lado. Pensei em perguntar qual era nosso destino, mas eu sabia que não haveria uma resposta, embora, à frente, as avenidas se alargassem, se entapetassem de gentilezas, dizendo ''pode passar, por favor''. E era noite, madrugada adentro, mas eu enxergava com clareza.
A lua cheia, reluzente, tão grande que parecia estar logo ali à frente. Lua que ascendeu pra iluminar a nossa fuga. Eu o olhei mais uma vez, acariciando seus traços com olhar, ora homem, ora rapaz dos nossos quinze anos.
Eu me encobria de confusão sem perceber que, era de fato, uma escapatória, aquela planejada à cada despedida. Fechei os olhos, trapaceando meu próprio refúgio que eu tampouco me apercebia. Se eu sonhar, isso não precisa acabar, cheguei a pensar, como quem corre pra guardar um anel de ouro na caixinha de jóias, para não perdê-lo.
E dali mesmo, das minhas pálpebras cerradas, pude vê-lo parar de assobiar e sorrir da minha inocência, como quem diz ''eu disse que esse dia chegaria, você duvidou que eu viria te buscar?"'. Mas será? 
Ele segurou minha mão como quem me guardava, também, mas sem segredos, porque estar ali já era encoberto, afinal. Suspirei e cedi.
 Vamos, então. 
Ele cintilava sob o luar; eu mirava aquele ora homem, ora moço e ratificava Dom Casmurro, ao pensar que ''aos quinze anos é tudo infinito''.