sábado, 6 de outubro de 2018

Meridiano

Entre todos os tempos está o paratempo – saída de emergência para os desesperados, morada secreta dos fugitivos, lar doce para além daqui. É o Tempo paraquedas, vide queda em todos os sentidos: escorregão, tombo, salto no ar, enamorar-se por algo ou alguém. No meu tempo-lugar escondo os tesouros da casa em cubinhos, projetada a priori por Kunio Katō, tudo que garimpei e foi caminho, foi passo jamais passado.


Ouvi dizer, por fontes confiáveis, que o poema constrói uma redoma de silêncio. Mais além, Leminski cruzou meu caminho e avisou ‘’o que a gente sente e não diz, cresce dentro.’’. Incapaz de construir o poema, ergui o silêncio das palavras ditas sem voz.


É isso, então! Pensei. Crescer dentro. Enveredei nesse arquétipo de jardim da vida. Para chegar lá basta permanecer imóvel, de olhos fechados (mas respirando!!) até que, suavemente, o corpo relaxe e o espírito alcance a linha do mundo sensível. Dito isso, agora já é possível entender como atravessei quilômetros em poucos minutos, ultrapassei fronteiras estaduais ao sugir na casa 7, da rua 4, em plena madrugada adormecida. Plena, enquanto a lua brilhava como um farol pela janela de vidro acima do sofá branco.


Eu o notei dormindo ali, num sono tão sereno que meus olhos o guardaram, em vigília, como explicou Antônio Cícero:



‘’Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-lá, mirá-la por


admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.’’





Guardei-o no silêncio sereno do meu arquétipo de tempo-lugar, nos meus olhos, como a um toque mais íntimo do que a própria pele permite. Mirando uma extensão desse instante, segui pela lateral do sofá, onde ele dormia, até me posicionar atrás de seu corpo, e deixei que minhas mãos pousassem sobre seus olhos, janelas de sua própria alma.


Na penumbra da lua, debaixo do céu imenso, suas mãos seguraram as minhas, afastando-as para me reconhecer. No nosso entendimento mudo, minhas mãos em seu rosto, as dele no meu, entendi Paz. O silêncio é mesmo o reino das revelações.


Aquele foi o Tempo dos tempos, a união de passado, presente e outra coisa, outra coisa ainda, que plana pelo ar, pesando a leveza sentida em tudo que é livre para existir. Traçou-se outra linha, com os nossos olhos, juntos, unos, no meio do caminho, no meio da vida. A consagração do instante, também disse Paz.


Consagrado. Sagrado. Como o ‘’milagre que as raízes tecem, em silêncio, no escuro.’’.

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